Após a recente divulgação dos resultados no último trimestre de 2020, a WEG voltou a ser notícia. Pela mesma razão de sempre: o extraordinário desempenho. O valor de mercado da empresa não para de crescer. Os resultados de 2019 haviam indicado que esse valor ultrapassara os 100 bilhões de reais. Agora, ele atinge algo em torno de 160 bilhões. Num contexto de crise generalizada, é um feito extraordinário. Não resisto a usar o clichê: a empresa é “um case de sucesso”. Definitivamente.
Há inúmeras razões a explicar esse desempenho. Eu seria incapaz de enumerá-las. Mas destaco uma: o modelo de organização da força de trabalho. Desde a década de 1970, e de modo espantosamente precursor, a WEG adota um modelo dito ‘pós-fordista’. Trata-se de flexibilizar os processos, dando-se autonomia às unidades produtivas. Nesse modelo a gestão é menos centralizada e cada gerência tem considerável poder decisório. Isso dinamiza a administração da empresa. Práticas e posturas são constantemente questionadas – e não apenas por quem tenha hierarquia superior. Todos estão inseridos ativamente nessa dinâmica. O processo não se engessa e a máquina sempre se aprimora. A metáfora, aliás, é ruim: não se trata de máquina, mas de um organismo – que se adapta constantemente aos desafios do contexto.
Mas o que isso tem a ver com os 7 de Chicago?
Vi o filme recentemente e, talvez por ser advogado, fiquei impressionado com um personagem em especial: o juiz. Não que ele tenha sido apenas um mau julgador: arrogante, preconceituoso, profundamente injusto. Nele, na sua atuação, o sistema judicial americano funciona mal. A máquina emperra. O organismo adoece. É o oposto do que ocorre com a WEG, embora ambos – aquele sistema e esta empresa – adotem modelos semelhantes de organização dos fatores produtivos.
Sei que essa última afirmação pode gerar estranheza. Mas, de fato, há semelhança entre os modelos. E este é o ponto. Também as unidades produtivas desse ‘sistema judicial’ têm grande autonomia. Também suas práticas são constantemente questionadas por todos os participantes do processo. Também o gerente – ou, no caso, o Juiz – tem poder de decisão; aliás, esse poder é a essência de sua atividade. Donde a questão: por que os sistemas judiciais – e não apenas o americano – têm tantas falhas? Por que tanta ineficiência? Por que esse modelo, baseado na autonomia das unidades produtivas, funciona tão bem na WEG e tão mal na administração da justiça?
Muitos responderão: porque a WEG tem metas claras. Objetivos gerais que se desdobram em objetivos específicos que se capilarizam em miniobjetivos pontuais. As unidades funcionam bem, em suma, porque precisam cumprir metas. A resposta é boa. Mas não suficiente. O sistema judicial também impõe metas às suas ‘unidades’: aqui no Brasil, por exemplo, o CNJ lhas impõe explicitamente. Por outro lado, não basta ter metas – até porque elas podem ser ruins. Sim, a WEG tem metas claras e boas. Mas a questão permanece: por quê?
A resposta me parece mais complexa. Gira em torno do conceito de “cultura empresarial”. Ao longo das últimas cinco décadas, a WEG tem adotado posturas sólidas de governança: seus princípios são constantemente reafirmados. Os homens que formam a empresa, em todas as suas hierarquias, estão sempre cientes disso. Todos sempre caminham numa mesma direção.
No sistema judicial, é o contrário. Há muito personalismo. Muita soberba. Muitos juízes buscando a justiça nas próprias convicções. Diga-se com toda a ênfase: não faltam metas para um juiz seguir. Não faltam princípios a indicar a direção – e a decisão – correta. Ao contrário: a Constituição os consagra. Um por um. Tão claramente quanto possível. O juiz que presidiu o processo dos 7 de Chicago não respeitou esses princípios. O devido processo legal, o direito de defesa, as liberdades de expressão, de associação e de orientação política – o produto do longo legado cultural que afirmou esses postulados essenciais, tudo isso cedeu às convicções íntimas de um homem envelhecido, envilecido e togado.
Volto à WEG, a estas três letras que correspondem às iniciais dos seus fundadores. Não sei se é casual, mas a palavra ‘weg’, em alemão, é ‘caminho’. Não há outra que traduza melhor o que chamei de ‘cultura empresarial’. Ela supõe o respeito ao legado histórico da empresa. No caso dos 7 de Chicago, não houve tal respeito. A história ensina enfaticamente o quanto custa a opressão, o preconceito e a repressão às liberdades. Cada princípio consagrado nas constituições dos Estados Democráticos representa um texto depurado pelo tempo, a cristalização de um longo aprendizado, um valor essencial encontrado sob densas camadas de sentido: houve muito horror até que os povos fixassem, com lutas e palavras, os marcos civilizatórios desta era. O juiz, no caso de que trata o filme, ignorou tudo isso. Muitos juízes ignoram.
São dois casos opostos – o da empresa e o do filme – quando se trata de respeito à história. No caso de Jaraguá, os protagonistas são os três fundadores de uma história que vai se construindo sempre fiel a si mesma. No de Chicago, são os sete réus que foram vítimas de mais um (des)respeito à história da civilização. Triste é saber que aquele é um caso raro; e este, assustadoramente comum.
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