Juquinha me ligou aos prantos:
– Serjão, serjão…
Não consegui ouvir mais nada. Apenas soluços. E uns grunhidos tão altos que afastei o telefone da orelha.
– O que houve, rapá?
– Ele se foi – disse o Juca num tom sepulcral.
Imaginei que ele estivesse falando do Viagrinha, o peixe azul que ele mantém num pequeno aquário. O velho Viagrinha não vai nada bem. E o Juca é mais dramático que o Galvão Bueno. Ainda assim perguntei:
– Ele quem, rapá?
– Messi se fué de mi Barça, Serjón – anunciou com pompa castelhana. E completou: – é o fim de uma era!
Pensei comigo: “fim de uma era”? De que “era”? O que foi isso? O que era essa “era”? Tentei recompor os fatos. Messi sempre jogou pelo Barça. Durante esses anos o time ganhou tudo, várias vezes. Messi, Xavi e Iniesta formaram grandes times. Eles entraram pra história, por supuesto. Pero…
– Não exagera, Juquinha.
Falei isso só pra provocar. Mas a provocação calou fundo em mim. Quando se fala em “fim de uma era”, não se trata apenas de “entrar pra história”, mas de protagonizar uma parte dela. É claro que Messi, nesses anos todos de Barcelona, deixou um legado importante e eterno. Mas isso permite dizer que houve uma “era Messi”? Esse período, que acabou ontem, é um trecho da história que só faz sentido ao se referir ao craque e ao clube?
– Serjão – disse Juquinha adivinhando meus pensamentos – Messi é mais que craque, Barça é mais que um clube!
Talvez ele esteja certo. Mas internamente eu permanecia em dúvida: Messi é assim um jogador tão importante? Esta última década deve ser “batizada” com seu nome? Houve também uma “era Romário”? Uma “era Maradona”? Uma “era Zico”? Levando minha dúvida ao extremo: houve uma “era Pelé”?
De repente me dei conta: nunca ouvi essa expressão – “era Pelé”. Talvez alguém tenha dito quando ele se despediu do Santos: “é o fim de uma era”. Geraldo José? Fiori Gigliotti? Ernesto Geisel? No lo sé. Em todo caso, a única expressão desse tipo que recordo é “era Dunga”; mas ela não era exatamente lisonjeira – e o próprio Dunga cuidou de erradicá-la.
Não creio que tenha havido uma “era Pelé”. Seria injusto dizê-lo. Injusto com Eusébio, com Puskas, com Di Stéfano, com Garrincha. Como pode o tempo de Garrincha ter o nome de outro alguém? Como pode o tempo, qualquer parte do tempo, ter um nome?
A “era” que o Juca supõe encerrada não é um trecho da história. Não é uma “era”. É só uma faceta. Messi foi o grande nome do futebol nesses últimos anos. Mas, se esses anos fazem uma “era” e se ela merece um nome, então esse nome seria outro. Não o de um jogador. Menos ainda o de um clube. Talvez uma palavra que designasse uma característica, um estilo, um vício. Talvez uma expressão espanhola como “tiki taka”. Se bem que, pra dizer a verdade, não sei se “tiki taka” é uma expressão espanhola.
Messi é um grande jogador. Mas não tão grande a ponto de dar nome a seu tempo. Nenhum jogador teve tanta grandeza. A história é sempre muito maior. Cada parte sua, por mais delimitada que seja, é vasta demais pra ter o nome de um homem. Os homens desta “era”, a atual, parecem ter se esquecido disso. Parecem querer “nomeá-la” com seus heróis. Parecem querer impor o nome de seus “heróis” sobre o passado. Isso me parece um mau sinal. Pero qué sé jo?
– Juquinha, relaxa – eu disse com quem desse palmadas em suas costas – Messi vai vir pro Fla!
Ele riu. Eu completei:
– E assim como vários dos grandes jogadores da história, vai se aposentar no Botafogo…
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