Opinião

O Próspera, o Juventus, a Spézia e a História.

O Próspera, o Juventus, a Spézia e a História.

Um dos meus netos esteve comigo no sábado. Estávamos na sala bebendo quando ele abriu seu “lépi-tópi”, mexeu em sei lá quantos fios e cabos com a habilidade de uma rendeira de bilro, e de repente, não mais que de repente, minha televisão transmitia o jogo entre Próspera e Juventus. Julguei ser isso, essa repentina aparição em meu televisor, um milagre pascal. Sob o transe provocado por tal evento místico, e também por umas tantas cervejas, decidi prestar a mais fiel atenção à partida. E assim cumpri, pascalmente, um calvário.

Gosto do Próspera. Sempre gostei. É o time dos trabalhadores. Na Criciúma dos ricaços das minas de carvão, o Próspera é a própria procissão (sei da aliteração) de mineiros saindo de dentro da terra e buscando um lugar ao sol. Diante do Metropol, o Próspera ergueu-se como um primo pobre e aguerrido. Diante do Tigre, como um rival. É quase como o Ferroviário diante do Hercílio Luz. Faz lembrar a história do Marcílio diante do Barroso.

Essa história, claro, é a mais bonita do futebol catarinense. Marcílio Dias é o marinheiro negro herói da Guerra do Paraguai. A evocação dum tal personagem fala ao povo humilde do porto, ao trabalhador da estiva, ao guerreiro mais modesto e mais heroico. Do outro lado, a soberba do Almirante parece se apoiar numa hierarquia sem sentido, que a história – bem mais dadivosa com o marinheiro – cuidou de negar.

É de negar hierarquias, também, que se trata o Juventus. Numa cidade em que predomina o poderio dos descendentes alemães, foram os italianos que criaram o futebol. Os Marcatto, os Chiodini, os Pradi. A teuta e pujante elite da cidade ainda hoje parece evitar o Clube. Um antigo Presidente chegou a mudar-lhe o nome, supondo que a referência ao time italiano (e mais diretamente ao mooquense) fosse um obstáculo à obtenção de patrocínios. A ideia fracassou, ainda bem. Em todo caso, o Juventus segue sendo um clube modesto numa das cidades mais ricas do Estado.

Volto ao jogo. Ao sábado à tarde. À via crucis que meu neto, jaraguaense e juventino, me fez enfrentar. Próspera e Juventus protagonizaram uma partida de antologia. Uma das piores que já vi. Ouso dizer: uma das mais monótonas jamais disputadas. Eu bocejo aos trinta e tantos do segundo tempo. Meu neto levanta-se e serve uma Spézia envelhecida por longos anos. Também a mim os anos envelheceram. Tudo em mim parece evocar uma história sempre em expansão – e sempre a questionar seu próprio centro. Meu neto se dá conta disso. E ri. Ambos rimos enquanto ao fundo, aliviante, soa o apito final.

Serjão Santana

Serjão Santana jogou futebol amador em Itajaí. Fã dos irmãos Rodrigues, abraçou a crônica esportiva. É marcilista e botafoguense.

Comentários:

Ao enviar esse comentário você concorda com nossa Política de Privacidade.