Opinião

O sofá e o tempo

O sofá e o tempo

Entre um cochilo e outro reparei que na tv passava badminton. Peteca pra lá, peteca pra cá, um troço muito doido. Mudei de canal. Ou melhor, mudei de modalidade. Natação. Uma prova longa de vários minutos. Tinha um brasileiro. Passado um tempo ele já não aparecia na tela. A raia dele vazia. Pensei comigo: putz, o cara se afogou. Esse pensamento até me fez despertar. Mas logo o narrador esclareceu que ele apenas “tinha ficado pra trás”. No fim da prova, oitavo lugar. Eram oito nadadores. Mudei de novo. O controle remoto anda nervoso nestes dias olímpicos. Parei num jogo de vôlei de praia. Uma dupla suíça contra outra sei lá de onde. Fiquei imaginando uma praia na Suíça. Olimpíadas são um troço muito doido. 

Levantei e fui preparar um digestivo. Durante uns instantes eu não sabia se era o começo da noite ou o fim da madrugada. Não sabia se tinha que ir dormir ou se já devia acordar. O fuso do Japão anda me confundindo. Tá certo, sou aposentado e durmo (e acordo) na hora em que quiser. Mas isso só piora a confusão. Se eu tivesse hora certa pra acordar, eu me organizava. Mas não tenho. Fico trocando o dia pela noite. Noite aqui é dia no Japão. O tempo fica meio embaralhado desde este meu sofá. Meus cochilos me desnorteiam ainda mais. Que loucura isso tudo! Fui traçar aquele digestivo pra ver se me situava. 

Então me situei. A luz da lua nascendo lá no Atalaia já se via na silhueta do morro. Sendo quase quarto minguante, era então quase meia-noite. Mas o que eu sabia da fase da lua? Depois que começaram os jogos olímpicos nem reparei mais no céu. Sei que há dias foi a lua cheia. Mas quando? Quantos dias passaram desde então? Quantas provas de canoagem? Quantas apresentações de ginástica? Quantos ipons e wazaris? De repente me perdi de novo. Pensei comigo: o que diabos é um wazari? Enfim olhei o relógio. Uma e meia da madrugada. Decidi preparar uns mariscos ao bafo. Abri uma brahma. E sentei pra ver rúgbi feminino. 

Brasil e Canadá. No placar, trinta e três a zero. Pro Canadá. Pensei comigo: rúgbi feminino é demais. Peguei a porção de marisco e o controle remoto. Cogitei assistir à reprise do jogo do Botafogo. Mas acabei parando numa corrida de BMX. Bem engraçada. As bicicletas pequeninhas. Uns saltos e tal. Tudo bem rápido. Rápido troquei de canal. Boxe. Gosto de boxe. Vi meia dúzia de lutas. Daí cansei. Precisava de uma modalidade menos agitada. Achei uma prova de arco e flecha. Mas tudo passava lento demais. A moça pegava a flecha, armava o arco e mirava. E respirava. E mirava de novo. Troquei antes da primeira flechada. 

Às quatro e pouco da manhã começou um jogo de vôlei. Pensei comigo: enfim uma modalidade mais prosaica. Mas o jogo foi chato. Ninguém mais tenta uma jornada nas estrelas? Tentei basquete. Handebol. Polo aquático. Nada muito melhor que a reprise do jogo do Botafogo. Passei pra ginástica artística. Barras assimétricas. Umas piruetas bacanas e tal. Negócio de doido. Troquei pro pingue-pongue. Dois asiáticos feras. Vi com interesse quase um set. De repente notei que não conseguia mais acompanhar a bolinha. Acho que era sono. Já era quase manhã. 

Levantei e fiz um café. Ia começar um jogo de futebol. De repente me deu uma saudade de futebol! Tem o futebol olímpico, é verdade, sem contar aquele jogado por aqui, que não para nunca. Mas as olimpíadas parecem jogar o futebol pra escanteio. Vi dez minutos do jogo e desisti. Muito ruim. Quase tanto quanto o do Botafogo. Segui saltando dum canal pro outro enquanto comia pão com sardinha. Tentei taekwondo, nado sincronizado, vela. Lembrei de preparar outro digestivo. Fui, voltei, sentei no sofá e vi quase um set inteiro duma partida de badminton. 

Serjão Santana

Serjão Santana jogou futebol amador em Itajaí. Fã dos irmãos Rodrigues, abraçou a crônica esportiva. É marcilista e botafoguense.

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