Eu, que desde o triste sete a um, desisti de acompanhar o futebol, senti uma alegria antiga em ver aquele gol e por um instante esqueci onde é o jogo, a esterilidade desumana da FIFA, quem mais está no campo, quem mais veste aquela camisa para outros fins.
Naquele gol eu vi o Brasil de um jeito que eu tinha esquecido, como se não pudesse mais a alegria, a criação, a latinidade excêntrica de fazer dos limões mais do que uma limonada, uma caipirinha. De cachaça, com certeza.
Pela TV, ouvi o Galvão Bueno narrar puxando os erres como antigamente e, antes de começar o jogo, vi o Olodum, o Pelourinho, a Bahia e, de repente, era lá que eu queria estar. Ah, como eu queria.
Mas eu estava em casa com minha filha que pintou o rosto de verde-amarelo e usou uma camiseta vermelha que, segundo ela, foi para dar uma equilibrada. Restos destes tempos de excessos nacionalistas perigosos. Ela, que talvez estivesse mais animada do que eu, comeu pipoca e achava graça da forma que o nosso narrador mais clássico falava e não demorou muito, foi brincar com os cachorros. Terminou o primeiro tempo e tudo ficava meio sem graça, opaco e travado. Mas começou o segundo tempo e nada demais até surgir o primeiro gol e ufa, que legal! Mas aí vem o segundo gol, que golaço, que lindo, que felicidade. Senti o orgulho inútil, como é a arte, de fazer parte daqui desta gente, de estar aqui, de reviver a história que já vivi com o país do futebol e a história que nunca vivi, mas já sonhei.
Vi o rapaz de cabelo pintado correr e virar abraço com tantos, vi minha filha feliz sem saber que aquilo foi um mais que um gol, foi um golaço e que aquilo me dizia mais, que aqui nesta terra não se nasce, se vence na teimosia, que a gente não dança, a gente samba, ginga, sensualiza, requebra, que a gente não canta, a gente declama de tantos jeitos, que a gente não é uma só gente, a gente é muitos, diferentes e isso é mais, é lindo.
Aquele golaço me lembrou que temos sonhos, que não somos as insistentes narrativas de destruição e indiferenças, que sim, não somos um, somos tantos e tão coloridos, tão vivos.
Quis lembrar que podemos sim tomar posse do que somos e nossa mágica de viver nesse país, nosso jeito de reinventar todos os dias e querer, desejar, que fazer como a gente faz é muito mais bonito.
Neste lapso de alegria com algo tão raso como é a alegria do futebol, que não vai mudar a vida de ninguém, eu me afundei de cabeça num gol e, lá dentro acreditei, emocionado, de novo no sonho de viver num país do futebol, que tem carnaval, tem a Bahia, tem os gaúchos, é plural, é gigante, é verde, é gentil, que faz pelo fim da desigualdade, da dor, da miséria e da fome… Que golaço.
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