Opinião

Serjão Santana: Tipicamente flamenguista!

Serjão Santana: Tipicamente flamenguista!

Meus leitores, uns quatro ou cinco abnegados, bem sabem: no domingo retrasado eu e o Juca estivemos pescando em meio aos iates do Caixa d’Aço. Como sempre acontece quando se está entre magnatas, não pegamos nada. A pescaria imita a vida. Num mundo dominado pelos ricos, aos pobres resta pouco. Muito pouco. No caso, restaram uns mariscos que tiramos na Pedra da Miraguaia, já de volta ao Gravatal.

Tirei a primeira porção da panela, servi a gelada e a luisalvense, e me sentei de frente pro Juca. Notei sua introspecção taciturna. Desde o Caixa d’Aço ele emudecera. Intimamente, perguntei-me o que determinara o repentino abatimento do meu amigo. A soberba dos ricos? O destino dos pobres? A injustiça do mundo?

– É o Fla, cara – ele confessou.

A conversa da tarde havia reacendido nele a chama rubro-negra. Ou talvez essa chama, jamais apagada, enfim reaparecia por trás dos véus azul-grenás. Sei lá. O fato é que o Juca sofria pelo Flamengo. O velho Juquinha, ciclotímico como todo flamenguista, estava de volta depois de tantos anos.

– O que tem o Fla?

– Perdeu da Portuguesa da Ilha do Governador.

– E daí?

– O time estreia na terça na Libertadores. Não tenho a menor confiança. Não gosto do Ceni.

Pensei comigo: a temporada começou há três semanas e ele já quer derrubar o treineiro. Tipicamente flamenguista! Levantei e peguei outra porção com mais um pouco de vinagrete.

– Juca, vocês só jogaram três jogos com o time titular na nova temporada. Já ganharam um título. Perderam do Vasco por causa da ressaca. Para com isso, pô!

– É nítido, Serjão! Desde o ano passado! Ceni não é nosso treinador! Não serve, não serve! – ele deu um murro na mesa que fez chacoalharem as cascas vazias dos mariscos. Restabelecido o silêncio, perguntei:

– Se não é o Ceni, quem será?

Era a pergunta crucial. Reclamar do Ceni é fácil. Ele é chato pacará. Mas quem pode vir pro lugar dele? Juca seguia mudo.

– Quem, pô? – eu insisti na pergunta. – O Beckenbauer?

Juca é apreciador do futebol dito “moderno”. Fala sempre dos novos conceitos. Supõe um abismo técnico e tático entre a Europa e nós: um abismo maior que o Atlântico. Ele ressalta o planejamento dos times do velho continente. Os treinadores estudiosos, as comissões técnicas aparamentadas, a cultura tática dos jogadores de lá. E sobretudo: a racionalidade empresarial dos clubes, tão diferente das sandices latinas dos nossos dirigentes. Achei então que ele indicaria algum jovem técnico português, com planilhas e pranchetas motorizadas, com mestrado em 4-4-2 e doutorado em 4-3-3. Alguém antenado aos novos paradigmas do futebol mundial. Algum vestal claro e apolíneo criado no mais alto e europeu Olimpo.

– Eu traria o Renato Gaúcho – ele disse, rompendo o silêncio.

Demorei uns três minutos pra desengasgar. Tomei um gole longo da gelada. Um outro da luisalvense. E enfim disse:

– Tá de sacanagem, né, Juquinha? O Renight?!

– Ele tem a cara do Flamengo.

A cara do Flamengo teve o time que jogaria na noite de terça, dois dias depois da conversa, em Avellaneda. Superou o Velez, de virada, por três a dois. Futebol técnico, ofensivo, que controla o jogo. Atuação que põe o rubro-negro, desde já, como um dos candidatos a levar o caneco. Esse time, no sábado, ganhou a Guanabara. No domingo mandei um whatsapp pro Juca:

– E aí, vai vir o Renato?

– O Caê tá dizendo que sim.

Não sei quem é o Caê. Não sei quem são os caras que o Juca consulta. Sei que ele sabe – ele, o Juca – que o Flamengo é assim. Treinadores fritam, especialmente quando tem outro se oferecendo e ainda mais quando esse outro é um falastrão que enche as pautas dos setoristas que cobrem o Clube e que fazem uma força tremenda pra que esse outro, o falastrão, seja contratado. O Juca sabe disso melhor que eu. A torcida do Flamengo sabe. E ainda assim muitos deles insistem nessas ideias malucas. Renato Gaúcho? Francamente…

A maluquice rubro-negra arrefeceu depois das duas vitórias na semana passada. Ceni, o chato, ganhou uma boa sobrevida. Tem gente dizendo até que ele reinventou o Flamengo, com o Arão de beque e o Diego de volante: “a magia começa de trás”. Delírio ciclotímico. Tipicamente flamenguista! Mais uma vitória e vão comprar passagem pra Tóquio…

Mas hoje tem jogo no Maracanã. E pode haver um tropeço. E então o Ceni vai balançar de novo. E o Renato, antes mesmo da meia-noite, vai ligar pro Caê.

Serjão Santana

Serjão Santana jogou futebol amador em Itajaí. Fã dos irmãos Rodrigues, abraçou a crônica esportiva. É marcilista e botafoguense.

Comentários:

Ao enviar esse comentário você concorda com nossa Política de Privacidade.