Por João Santana
Morreu na tarde de ontem, Dia de Finados, Sérgio Santana. Itajaiense, trabalhou por décadas no porto. Apaixonado por futebol, foi atleta amador e cronista desta Abertura. Teve uma longa vida voltada a essas duas paixões: a bola e as letras. Deixa filhos, netos, bisnetos e muitos amigos a quem dedico esta nota fúnebre.
É difícil escrever sobre meu pai. Tivemos uma relação conturbada. Desde cedo houve entre nós um antagonismo edipiano que se precipitou numa séria desavença em 1972, quando o Botafogo aplicou históricos seis a zero no Flamengo e ele destilou sarcasmos insuportáveis. Estivemos distantes por anos e lentamente nos reconciliamos. Mas houve uma outra briga em 1992, quando fui à forra. Decidimos em consenso que devíamos nos afastar.
Mas não foi só o futebol. A boemia de Serjão também me irritava. Muitas vezes ele repetiu a mesma história: saía de casa nas asas dum novo amor; voltava tempos depois, abatido e esfarrapado; minha mãe punha-o num rancho nos fundos da casa, onde dormia entre os petrechos de pesca; e então ele iniciava a demanda pelo perdão: sorrisos e galanteios e serenatas e sonetos. Sobretudo sonetos. Eles tinham graça e ritmo e isso me irritava: eu sabia que minavam a resistência de minha mãe, que afinal cedia. Sempre cedia.
A relação com meu pai paradoxalmente ajudou a me forjar: também eu sou amante do futebol e das letras. Mas sou flamengo. E não sou cronista. Admito que li suas crônicas publicadas por esta Abertura. Elas tiveram em mim efeito similar ao daqueles sonetos: eu as detestei, mas as li avidamente. A última, escrita há uma semana, era especialmente perturbadora. Nela havia uma melancolia só permitida aos que experimentam os últimos instantes da vida. Não por acaso, foi um fracasso de público. Como todas as suas crônicas. Ou quase todas.
Serjão morreu em paz. Deixou de herança a meação da casa, duas tarrafas de argola e um texto inacabado, de traços lisérgicos, em que registrava um diálogo com João Saldanha. Seu velório foi breve e discreto pois minha mãe receava surpresas. Cecília Cortez disse belas palavras na cerimônia final. As cinzas foram jogadas na foz do Itajaí.
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